Há cerca de 1 mês, a Escola Competências de Vida lançou um artigo sobre a compreensão da adaptação humana a situações de stress. Nesse artigo procurou-se apresentar o Modelo Interativo de Adaptação ao Stress (Gomes, 2014), que serve como enquadramento teórico para todas as nossas propostas de intervenção na área do stress. Este modelo ajuda-nos a compreender como é que as pessoas se adaptam a situações de stress e quais os fatores que contribuem para uma melhor ou pior adaptação. Hoje, vamos tentar aplicar este modelo teórico a um exemplo prático. Ou seja, como nos adaptamos ao stress? Mais concretamente, desde que nos encontramos sob a ameaça de uma pandemia, que fatores influenciam a forma como nos adaptamos a esta situação? Procuraremos seguir a mesma estrutura do artigo supracitado, de forma a facilitar a comparação entre a vertente teórica e prática.

SITUAÇÃO DE STRESS

Refere-se ao acontecimento que causa desajustamento na estabilidade dos indivíduos e, consequentemente, desencadeia esforços de adaptação.

No nosso exemplo, a situação de stress refere-se ao aparecimento de uma nova doença que, no início do ano, começou a assumir proporções globais e ameaçadoras, obrigando a população mundial a adaptar-se a uma nova realidade. Podemos, naturalmente, assumir outros acontecimentos como a situação de stress; por exemplo, quando foi decretado estado de emergência em Portugal ou quando o número de casos novos por dia ultrapassa um determinado valor.

Independentemente da situação escolhida, vamos certamente verificar que algumas pessoas parecem adaptar-se melhor que outras. Porquê? Entre outras características que serão abordadas noutros artigos, olhemos para as características destes eventos que os tornam stressantes. Voltemos ao Modelo:

1. Novidade – a pessoa não conhece a situação. É, sem dúvida, o caso da pandemia CoVID-19. Apesar de, num passado recente, o mundo ter assistido a algumas ameaças de pandemia, a verdade é que há mais de 100 anos que não se assistia a uma pandemia destas dimensões. No início do ano, o surgimento do novo coronavírus foi, indubitavelmente, uma situação completamente nova para todos nós, o que contribuiu para os níveis de stress que temos vindo a sentir. Ainda assim, podemos supor que a situação terá uma característica de novidade muito superior para o cidadão comum do que, por exemplo, para um epidemiologista com experiência em epidemias e pandemias. Para um destes profissionais, a novidade é menor, o que será uma vantagem no processo de adaptação ao stress.

2. Imprevisibilidade – a situação ocorre em circunstâncias inesperadas. Nos últimos meses, a pandemia tem imposto um estado de imprevisibilidade a todos nós, mais forte ainda no início. Também por ser uma situação nova, torna-se difícil prever as suas consequências e, consequentemente, saber quais as estratégias a adotar para conseguir uma adaptação positiva. Passados já vários meses, a imprevisibilidade tem vindo a baixar em algumas áreas, muito pelo forte investimento na investigação científica, que permite aumentar a nossa capacidade de prever a direção que a situação irá tomar. Ainda assim, a imprevisibilidade continua forte em muitos contextos, nomeadamente a nível das consequências económicas e sociais, que continuam com um grau de imprevisibilidade alto e, consequentemente, capazes de gerar mais stress. O grau de imprevisibilidade da situação de stress é igual para todos nós? Não. Novamente, aqueles que têm mais experiência e conhecimento em situações semelhantes têm uma preparação mais adequada para se adaptarem ao stress provocado pela imprevisibilidade. Por exemplo, os adultos com filhos que voltaram às escolas em julho, estavam, nessa altura, numa situação de maior imprevisibilidade do que adultos sem filhos, que não tiveram que experienciar essa situação de imprevisibilidade da mesma forma.

3. Complexidade – a situação implica modos de funcionamento cognitivo e/ou físico complexos. A pandemia CoVID-19 é das situações mais complexas com que nos deparamos, a nível global, nas últimas décadas. A adaptação a esta nova realidade implicou, no início, um esforço cognitivo e físico extraordinariamente elevado, com a necessidade quase repentina de alterar comportamentos em todos os contextos. Desde os comportamentos do cidadão individual em sua casa aos novos procedimentos de segurança impostos aos profissionais de saúde, nenhuma área do quotidiano ficou imune a uma maior complexidade de funcionamento. Vejamos o simples exemplo de ir às compras: anteriormente, esta situação não seria geradora de stress para a maioria das pessoas, não implicando grande complexidade física ou cognitiva. Com o estado de emergência, a mesma tarefa passou a implicar um funcionamento cognitivo e físico mais complexo, muito especialmente devido a todas as regras de segurança que, num curto espaço de tempo, nos vimos obrigados a incorporar. Novamente, esta complexidade terá sido menor para todos os que, por força da sua ocupação, estavam já habituados a lidar com Equipamento de Proteção Individual (EPIs), implicando menor envolvimento cognitivo.

4. Ambiguidade – não há critérios claros e objetivos sobre o que é esperado. A ambiguidade da pandemia CoVID-19 estava, no início do ano, no seu valor mais elevado. Inicialmente, devido à novidade do vírus e à consequente insípida investigação científica, não havia praticamente quaisquer critérios sobre o que era esperado. As próprias autoridades de saúde nacionais e internacionais sofreram com esta ambiguidade, tendo sido difícil, nessa altura, fornecer diretrizes de atuação. Não sabíamos se o confinamento era o caminho certo (não foi, aliás, consensual a nível mundial). Com o tempo e alguma informação científica disponível, esta ambiguidade foi baixando em alguns campos, mantendo-se, no entanto, elevada noutros, nomeadamente a situação dos lares e das escolas, onde os critérios ainda não são claros. Exemplo disso é a utilização das máscaras: inicialmente ambígua, rapidamente se avançou para algumas certezas sobre a eficácia desta medida, que gradualmente tem vindo a ser implementada.

5. Incerteza – incapacidade de antecipar o impacto da situação. A incerteza face à pandemia tem-se mantido, ainda que tenha vindo a diminuir com o tempo. Se no início esta incerteza advinha da falta de investigação e de situações passadas semelhantes, hoje em dia ela continua pela nossa incapacidade de antever o desfecho final.

Olhando para estes cinco fatores, o potencial gerador de stress da pandemia CoVID-19 não é surpreendente: enfrentamos uma situação nova, imprevisível, complexa, ambígua e incerta. Se alguns meses depois é certo que a novidade e imprevisibilidade se esbateram, menorizando a experiência de stress (o que talvez ajude a explicar alguns comportamentos menos responsáveis por parte de algumas pessoas), a complexidade, ambiguidade e incerteza têm-se mantido, talvez até, em alguns contextos, aumentado.

MAS SERÃO ESTES FATORES SUFICIENTES PARA EXPLICAR A ADAPTAÇÃO AO STRESS DA PANDEMIA?

Não! O Modelo não se fica por aqui, incluindo outros fatores, como os processos de avaliação cognitiva, que ajudam a explicar a adaptação ao stress e as diferentes reações ao evento stressante de diferentes pessoas. Voltaremos ao Modelo num dos próximos artigos, continuando com o exemplo prático da pandemia CoVID-19. Esperamos com isto explicar como nos adaptamos ao stress, quais os fatores que condicionam essa adaptação e, no contexto de pandemia, que tipo de estratégias podemos utilizar para maximizar a nossa adaptação ao stress.


Autoria
Liliana Fontes

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