Na parte 1 desta série, explorámos o primeiro grande fator do Modelo Interativo de Adaptação ao Stress (Gomes, 2014), exemplificando-o com a pandemia CoVID-19. Mostrámos como a situação de stress (o aparecimento da pandemia) tem várias características que condicionam a nossa adaptação: novidade (primeira pandemia num século), imprevisibilidade (quando vai terminar?), complexidade (trabalho, família, saúde, etc.), ambiguidade (o que devo fazer?) e incerteza (como será o futuro?).
Neste artigo vamos analisar o segundo grande fator do Modelo: os processos de avaliação cognitiva.
PROCESSOS DE AVALIAÇÃO COGNITIVA
A avaliação cognitiva refere-se à forma como interpretamos e gerimos as nossas respostas psicológicas, físicas e comportamentais (ações) perante uma situação de stress. No caso da CoVID-19, no momento em que foi declarado estado de emergência:
- Podemos ter sentido medo e apreensão – psicológica
- Podemos ter sentido o coração a bater mais depressa – física
- Podemos ter ligado a familiares – comportamental
Mais do que as respostas em si, são os processos de avaliação cognitiva (a forma como as interpretamos e gerimos), que determinam, fortemente, a nossa adaptação a uma situação de stress. Reparem ainda que estes processos são dinâmicos e vão mudando ao longo do tempo consoante as características da situação e da própria pessoa. A avaliação cognitiva é então influenciada por cinco fatores:
1. Importância: Como é que avalio a importância da situação? É relevante em termos dos meus valores, crenças e princípios? Talvez resida aqui uma das principais razões pelas quais nem todos adotamos comportamentos de segurança perante esta doença: uns avaliam este problema como importante e significativo para o seu bem-estar e saúde, enquanto outros não lhe atribuem grande relevância e significado.
2. Ameaça: A situação é negativa e perturbadora para o meu bem-estar e funcionamento? Durante o confinamento, muitos casais com filhos pequenos viram-se numa situação em que foi necessário alterar hábitos e rotinas, para conciliar o teletrabalho, a telescola e todas as tarefas diárias. Para muitos, esta carga negativa e perturbadora prejudicou a sua adaptação ao stress, tornando mais provável a manifestação de sintomas associados.
3. Desafio: A situação é estimulante e desafiante para a pessoa? Mesmo com a carga negativa inegável da pandemia, houve pessoas que encararam a situação como um desafio às suas capacidades, motivando-se para usarem estratégias que levassem a uma melhor adaptação à situação. Usando o mesmo exemplo, muitos destes casais encararam a situação como um desafio, tendo conseguido encontrar soluções criativas que permitiram minimizar os efeitos negativos da situação de stress.
4. Potencial de confronto: Quais são os recursos que possuo e que competências tenho para aplicar à situação? Estes recursos e competências têm uma amplitude muito vasta, desde recursos materiais a competências emocionais. Voltando ao mesmo exemplo, os casais com computadores ou outros dispositivos eletrónicos em casa, com boa ligação à internet e com boas competências de utilização de ferramentas eletrónicas podem ter sido menos condicionados nas duas rotinas de vida. Por outro lado, casais com menos “literacia eletrónica” e menos recursos financeiros para colmatar este défice poderão ter sentido maior dificuldade em se adaptarem ao confinamento e todos os seus desafios.
5. Controle: O que é que é possível eu fazer? Consigo controlar a situação? Apesar do confinamento ser aparentemente uma situação impossível de controlar, nem todos a avaliamos da mesma forma. Os casais com uma maior perceção de controle podem, por exemplo aderir a comportamentos de segurança perante o problema (uso de máscara, distanciamento social, etc.) pois acreditam que assim diminuem a probabilidade de serem infetados, enquanto casais com menor perceção de controle podem acreditar que ficar ou não infetado é basicamente uma questão de sorte ou de acaso, aderindo menos aos comportamentos de segurança. Igualmente importante, maior perceção de controle pode também ajudar as pessoas a dotarem outras competências de vida importantes para limitar os efeitos indesejáveis da pandemia, como, por exemplo, formular planos de gestão de tempo para que tarefas acumuladas não se tornassem mais uma fonte de stress. Estas medidas ajudaram na adaptação ao confinamento.
Em suma, perante a mesma situação, com as mesmas características, a forma como a vemos e percecionamos influencia a nossa adaptação ao stress. Numa situação que todos avaliamos como importante, a adaptação ao stress será facilitada por uma baixa perceção de ameaça e por elevada perceção de desafio, potencial de confronto e de controle. Ou seja, perante o confinamento obrigatório, indivíduos que se sentiram menos ameaçados e mais desafiados pela situação, com mais recursos e competências e com maior controle sobre a situação adaptaram-se melhor ao evento de stress.
Apesar de não podermos mudar as características da situação que descrevemos na parte 1, podemos trabalhar competências que nos ajudam a lidar com a forma como avaliamos e percecionamos a situação de stress, aumentando a probabilidade de uma adaptação positiva.
MAS SERÃO ESTES FATORES SUFICIENTES PARA EXPLICAR A ADAPTAÇÃO AO STRESS DA PANDEMIA?
Não! Voltaremos ao Modelo num dos próximos artigos, continuando com o exemplo prático da pandemia CoVID-19. Esperamos com isto explicar como nos adaptamos ao stress, quais os fatores que condicionam essa adaptação e, no contexto de pandemia, que tipo de estratégias podemos utilizar para maximizar a nossa adaptação ao stress.